O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

CHILE IV - A aventura

Contaram dos lagos, mas não contaram dele. Nem precisava. Ele se conta por si só. Pelo menos foi assim quando seguimos a dica daquele lugar, que muito nos empreguiçou de ir, porque eram dez horas de viagem a ônibus. E, depois de todas elas, chegar às sete da manhã e procurar pela hospedagem nos privou de buscá-lo na paisagem. Também nem adiantaria. O dia estava nublado e assim permaneceu até o pôr do sol. O máximo que conseguimos ver, umas cinco da tarde, foi aquela faixinha branca logo abaixo das nuvens... que talvez, assim de longe, não correspondesse nem à espessura do meu dedo mindinho. Durante algum tempo chegamos a cogitar a teoria de uma conhecida, que disse que esteve lá e jamais o viu e que o máximo que conseguiu foi um cartão postal entregue pela dona da pensão para provar-lhe que ele realmente existia, mas estava escondido atrás das nuvens. Mesmo assim ela duvidava. No dia seguinte as nuvens ainda o encobriam, mas já havia esperança de enxergá-lo por inteiro. Também pensamos que isso não aconteceria. Ainda assim havia sorrisos porque os raios solares, agora reluzentes de verdade, daquele jeito sobre a neve já faziam valer a pena. Isso não nos tornou menos curiosos. Talvez, pelo contrário, ele nos instigasse mais como parecesse que se escondia para provocar. Uma colombina que prostrava o rosto atrás do leque e mostrava só os olhos ao que a desejasse. Após o banho vinha o passeio noturno, que, lá, ainda é diurno, pois escurece lá pelas vinte e duas. E quando saímos da hospedagem então a última nuvem só cobria o topo. Mais nada! Estava ele quase inteiro a se desinteressar pelos esconderijos. A cena era comum na rua: todos parados à espera de uma aparição sem precedentes até então. Todos na expectativa de a colombina mostrar o rosto enfim. E nos sentamos num banquinho... ali ficamos por longos minutos, não sem a máquina fotográfica às mãos, aguardando a exibição completa. Faltou muito pouco. Mas não foi em vão. Um dia depois, finalmente, lá estava ele: vivo, lindo... imponente! Não que a imponência se fizesse presente pela arrogância de sua beleza. Mas pela beleza. E só. E ainda pela onipresença, pois onde quer que estivéssemos podíamos vê-lo com toda a clareza... dele e do sol, que agora derretia o gelo. A idéia de subir não foi de imediato aceita. Era preciso respeitá-lo, como quem respeita a um ancião. O fato de ele estar vivo e, obviamente, de estarmos fora de forma causava certo receio. Mas fomos porque, se estávamos ao pé dele, por que não alcançar seu topo? Pelo respeito mesmo, preferimos economizar quatrocentos metros de subida, que fizemos de teleférico – o único que foi reconstruído depois da última erupção, em 1984. Havia pegadas neve acima e o lema era step by step: não olhe senão para o caminho à sua frente. O grupo se dividiu entre os aventureiros, que fizeram todo o percurso a pé, os preguiçosos rápidos e os preguiçosos lentos. Estávamos entre os lentos. Mas foram os lentos que se apoiaram cem por cento do tempo e, embora tenha havido uma desistência no meio do caminho – que na verdade era noventa por cento dele –, não fossem eles, eu jamais teria alcançado aquela imensidão. Os joelhos, no fim, já gritavam de dor. As costas sentiam cada passo e o chicote do guia continuava susurrando nos meus ouvidos: step by step... Chegar lá em cima depois de quatro horas de caminhada, um quilômetro de subida e vários de percurso em zigue-zague dá-cala-frios. E coceira na garganta porque os gases não lhe poupam. Dali se viam os Andes, as cidades próximas, os lagos e os parques. Tudo nas respectivas cores, sem sinais de destruição humana. E quando as nuvens se misturaram a reação química ficou rubra. Cena indescritível. As lições que o Vulcão Villarica me deixou ninguém me tira. Superar limites é possível. Um grupo unido pode mais. A beleza de um ser nunca é venenosa... E descer de esquibunda é muito divertido!

Um comentário:

bernardo disse...

Pucón é sensacional! Subir esse vulcão é coisa de outro mundo!
http://www.flickr.com/photos/bernardobaere/page10/

bjos,
Bernardo