O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Por que as maiores pedras?


"Aguardando ansiosamente um futuro incerto. Mulher, companheira, filha, amiga. Agora com uma nova identidade: advogada. E quem pensou que sofreria para chegar até aqui agora vê que não chegou a lugar algum. O caminho segue cheio de pedras. Drumond que o diga."

Esta era a legenda do título deste espaço desde que ele foi criado, já nem lembro quando.

Esta era uma mulher recém-formada, cheia de dúvidas sobre suas aspirações, para si e para o mundo.

Com o tempo, ela foi se consolidando numa vontade pessoal e também numa visão de mundo.

Vontade pessoal? Parcialmente atingida, com requintes de extrema felicidade.

Mas o alcance do sonho não é gratuito. Agora, disseram, ela deve promover justiça.

E a visão de mundo tornou-se uma enorme pedra no meio do caminho. O da esquerda.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

domingo, 5 de junho de 2011

Antiheróis?

Episódios como os desabamentos em Angra dos Reis, a famigerada enchente do 06 de abril de 2010, as chuvas na Região Serrana e o incêndio na Cidade da Música mostram que os bombeiros não salvam só nossas vidas: salvam também o nosso direito de enterrar nossos mortos e até nossa cultura.

Não é pouca coisa.

Por isso que quando eles exercem seu ofício são inúmeras as reportagens que focam as câmeras em seu trabalho, mostram a emoção do salvamento - com direito a choradeira e tudo - e os homenageiam como verdadeiros heróis. Por isso que quando precocemente eles morrem trabalhando são enterrados com honraria.

A beleza da profissão, porém, não é ser voluntária, mas simplesmente ser.

Quando eles perceberam que "tapinhas nas costas" e enterros com honraria não colocam comida na mesa, - e foi tarde -, resolveram lutar por um slário mais digno e condições de trabalhos menos arriscadas.

Agora não eram mais heróis e seus cavalos não falavam inglês. O conto de fadas acabou: de heróis a antiheróis? Não, a categoria literária agora já não lhes encaixa mais tão bem.

Agora eram bandidos, assim tratados contra todas as evidências de que exerceram sempre seu papel com competência e beleza, arriscando suas vidas e, de quebra, a de suas famílias. Agora eram equiparados ao tráfico de drogas - tido por muitos como um grande demônio social - numa estratégia de combate guerrilheira. E depois eram enfileirados quase como os sobreviventes do Carandiru - com a diferença de que não estavam nus.

Que mal há nisso? Afinal, são quase todos pretos. Não precisam comer nem se vestir, nem seus filhos ou suas esposas. Não têm, pois, motivo para exercer o direito constitucional de greve.

É o que dizem as autoridades.

Como cidadã, não posso concordar com isso. Posso precisar deles amanhã e me deparar com um efetivo de menos 439 homens, como quer o governador. Ou até tê-los à minha disposição, mas desmotivados.

Creio, Senhor Governador, que este é o verdadeiro pensamento da população... mas está manipulado por uma cobertura jornalística global para se manter escondido num cantinho esquecido de sua mente.

Deveríamos pensar nisso...

Educação e linguística - moderna mídia atrasada

Vale a pena ler a resposta de promissores professores de Línguas - que certamente prestarão um serviço valiosíssimo ao nosso país - às críticas jornalísticas a um material didático que, a rigor, só queria aproximar o aluno de sua própria realidade social, incrementando sua auto-estima, que, em geral, nos recantos Brasil afora, é muito, muito baixa...

Desinformação e desrespeito na mídia brasileira

Por alguma razão escondida dentro de cada um de nós que escrevemos esse texto tivemos como escolha profissional o ensino de língua (materna ou estrangeira). Por algum motivo desconhecido, resolvemos abraçar uma das profissões mais mal pagas do nosso país. Não quisemos nos tornar médicos, advogados ou jornalistas. Quisemos virar professores. E para fazê-lo, tivemos que estudar.

Estudar, para alguém que quer ensinar, tem uma dimensão profunda. Foi estudando que abandonamos muitas visões simplistas do mundo e muito dos nossos preconceitos.

Durante anos debatemos a condição da educação no Brasil; cotidianamente aprofundamo-nos sobre a realidade do país e sobre uma das expressões culturais mais íntimas de seus habitantes: a sua língua. Em várias dessas discussões utilizamos reportagens, notícias, ou fatos trazidos pelos jornais.

Crescemos ouvindo que jovem não lê jornal e que a cada dia o brasileiro lê menos. A julgar por nosso cotidiano, isso não é verdade. Tanto é que muitos de nós, já indignados com o tratamento dado pelo Jornal Nacional à questão do material Por uma vida melhor, perdemos o domingo ao, pela manhã, lermos as palavras de um dos mais respeitados jornalistas do país criticando, na Folha de S. Paulo, a valorização dada pelo material ao ensino das diferentes possibilidades do falar brasileiro. E ficamos ainda mais indignados durante a semana com tantas reportagens e artigos de opinião cheios de ideias equivocadas, ofensivas, violentas e irresponsáveis. Lemos textos assim também no Estado de São Paulo e nas revistas semanais Veja e IstoÉ.

Vimos o Jornal Nacional colocar uma das autoras do material em posição humilhante de ter que se justificar por ter conseguido fazer uma transposição didática de um assunto já debatido há tempos pelos grandes nomes da Linguística do país – nossos mestres, aliás. O jornalista Clovis Rossi afirmou que a língua que ele julga correta é uma “evolução para que as pessoas pudessem se comunicar de uma maneira que umas entendam perfeitamente as outras” e que os professores têm o baixo salário justificado por “preguiça de ensinar”. Uma semana depois, vimos Amauri Segalla e Bruna Cavalcanti narrarem um drama em que um aluno teria aprendido uma construção errada de sua língua, e afirmarem que o material “vai condenar esses jovens a uma escuridão cultural sem precedentes”. Também esses dois últimos jornalistas tentam negar a voz

contrária aos seus julgamentos, dizendo que pouquíssimos foram os que se manifestaram, e que as ideias expressas no material podem ter sucesso somente entre alguns professores “mais moderninhos”. Já no Estado de São Paulo vimos um economista fazendo represálias brutas a esse material didático. Acreditamos que o senhor Sardenberg entenda muito sobre jornalismo e economia, porém fica nítida a fragilidade de suas concepções sobre ensino da língua. A mesma desinformação e irresponsabilidade revelou o cineasta Arnaldo Jabor, em seu violento comentário na rádio CBN.

Ficamos todos perplexos pela falta de informação desses jornalistas, pela inversão de realidade a que procederam, e, sobretudo, pelo preconceito que despejaram sem pudor sobre seus espectadores, ouvintes e leitores, alimentando uma visão reduzida ao senso comum equivocado quanto ao ensino da língua. A versão trazida pelos jornais sobre a defesa do "erro" em livros didáticos, e mais especificamente no livro Por uma vida melhor, é uma ofensa a todo trabalho desenvolvido pelos linguistas e educadores de nosso país no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa.

A pergunta inquietante que tivemos foi: será que esses jornalistas ao menos se deram o trabalho de ler ou meramente consultar o referido livro didático antes de tornar públicas tão caluniosas opiniões? Sabemos que não. Pois, se o tivessem feito, veriam que tal livro de forma alguma defende o ato de falar "errado", mas sim busca desmistificar a noção de erro, substituindo-a pela de adequação/inadequação. Isso porque, a Linguística, bem como qualquer outra ciência humana, não pode admitir a superioridade de uma expressão cultural sobre outra. Ao dizer que a população com baixo grau de escolaridade fala “errado”, o que está-se dizendo é que a expressão cultural da maior parte da população brasileira é errada, ou inferior à das classes dominantes. Isso não pode ser concebido, nem publicado deliberadamente como foi nos meios de comunicação. É esse ensinamento básico que o material propõe, didaticamente, aos alunos que participam da Educação de Jovens e Adultos. Mais apropriado, impossível. Paulo Freire ficaria orgulhoso. Os jornalistas, porém, condenam.

Sabemos que os veículos de comunicação possuem uma influência poderosa sobre a visão de mundo das pessoas, atuam como formadores de opinião, por isso consideramos um retrocesso estigmatizar certos usos da língua e, com isso, o trabalho de profissionais que, todos os dias, estão em sala de aula tentando ir além do que a mera repetição dos exercícios gramaticais mecânicos, chamando atenção para o caráter

multifacetado e plural do português brasileiro e sua relação intrínseca com os mais diversos contextos sociais.

A preocupação dos senhores jornalistas, porém, ainda é comum. Na base de suas críticas aparecem, sobretudo, o medo da escola não cumprir com seu papel de ensinar a norma culta aos falantes. Entretanto, se tivessem lido o referido material, esse medo teria facilmente se esvaído. Como todo linguista contemporâneo, os autores deixam claro, na página 12, que “Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações sociais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposição, a fim de empregá-la quando for necessário”. Dessa forma, sem deixar de valorizar a norma escrita culta – necessária para atuar nas esferas profissional e cultural, e logo, determinante para a ascensão econômica e social de seus usuários, embora não suficiente – o material consegue promover o debate sobre a diversidade linguística brasileira. Esse feito, do ponto de vista de todos que produzimos e utilizamos materiais didáticos, é fundamental.

Sobre os conteúdos errôneos que foram publicados pelos jornais e revistas, foi possível ver que, após uma semana, as respostas dadas pelos educadores, estudiosos da linguagem e, sobretudo, da variação linguística, já foram bastante elucidativas para informar esses profissionais do jornalismo. Infelizmente alguns jornalistas não os leram. Mas ainda dá tempo de aprender com esses textos. Leiam as respostas de linguistas tais como Luis Carlos Cagliari, Marcos Bagno, Carlos Alberto Faraco, Sírio Possenti, e de educadores tais como Maria Alice Setubal e Maurício Ernica, entre outros, publicadas em diversas fontes, como elucidativas e representativas do que temos a dizer. Aliás, muito nos orgulha a paciência desses autores – foram verdadeiras aulas para alunos que parecem ter que começar do zero. Admirável foram essas respostas calmas, respeitosas e informativas, verdadeiras lições de Linguística, de Educação - e de atitude cidadã, diga-se de passagem - para “formadores de opinião” que, sem o domínio do assunto, resolveram palpitar, julgar e até incriminar práticas e as ideias solidamente construídas em pesquisas científicas sobre a língua ao longo de toda a vida acadêmica de vários intelectuais brasileiros respeitados, ideias essas que começam, aos poucos, a chegar à realidade das escolas.

Ao final de anos de luta para podermos virar professores, ao invés de vermos nossos pensadores, acadêmicos, e professores valorizados, vimos a humilhação violenta que eles sofreram. Vimos, com isso, a humilhação que a academia e que os estudos sérios e profundos podem sofrer pela mídia desavisada (ou maldosa). O poder da mídia

foi assustador. Para os alunos mais dispersos, algumas concepções que levaram anos para serem construídas foram quebradas em instantes. Felizmente, esses são poucos. Para grande parte de nossos colegas estudantes de Letras o que aconteceu foi um descontentamento geral e uma descrença coletiva nos meios de comunicação.

A descrença na profissão de professor, que era a mais provável de ocorrer após tamanha violência e irresponsabilidade da mídia, essa não aconteceu – somente por conta daquele nosso motivo interno ao qual nos referimos antes. Nossa crença de que a educação é a solução de muitos problemas – como esse, por exemplo – e que é uma das profissões mais satisfatórias do mundo continua firme. Sabemos que vamos receber baixos salários, que nossa rotina será mais complicada do que a de muitos outros profissionais, e de todas as outras dificuldades que todos sabem que um professor enfrenta. O que não sabíamos é que não tínhamos o apoio da mídia, e que, pior que isso, ela se voltaria contra nós, dizendo que o baixo salário está justificado, e que não podemos reclamar porque não cumprimos nosso dever direito.

Gostaríamos de deixar claro que não, ensinar gramática tradicional não é difícil. Não temos preguiça disso. Facilmente podemos ler a respeito da questão da colocação pronominal, passar na lousa como os pronomes devem ser usados e dizer para o aluno que está errado dizer “me dá uma borracha”. Isso é muito simples de fazer. Tão simples que os senhores jornalistas, que não são professores, já corrigiram o material Por uma vida melhor sobre a questão do plural dos substantivos. Não precisa ser professor para fazer isso. Dizer o que está errado, aliás, é o que muitos fazem de melhor.

Difícil, sabemos, é ter professores formados para conseguir promover, simultaneamente, o debate e o ensino do uso dos diversos recursos linguísticos e expressivos do português brasileiro que sejam adequados às diferentes situações de comunicação e próprios dos inúmeros gêneros do discurso orais e escritos que utilizamos. Esse professor deve ter muito conhecimento sobre a linguagem e sobre a língua, nas suas dimensões linguísticas, textuais e discursivas, sobre o povo que a usa, sobre as diferentes regiões do nosso país, e sobre as relações intrínsecas entre linguagem e cultura.

Esse professor deve ter a cabeça aberta o suficiente para saber que nenhuma forma de usar a língua é “superior” a outra, mas que há situações que exigem uma aproximação maior da norma culta e outras em que isso não é necessário; que o “correto” não é falar apenas como paulistas e cariocas, usando o globês; que nenhum aluno pode sair da escola achando que fala “melhor” que outro, mas sim ciente da

necessidade de escolher a forma mais adequada de usar a língua conforme exige a situação e, é claro, com o domínio da norma culta para as ocasiões em que ela é requerida. Esse professor tem que ter noções sobre identidade e alteridade, tem que valorizar o outro, a diferença, e respeitar o que conhece e o que não conhece.

Também esse professor tem que ter muito orgulho de ser brasileiro: é ele que vai dizer ao garoto, ao ensinar o uso adequado da língua nas situações formais e públicas de comunicação, que não é porque a mãe desse garoto não usa esse tipo de variedade lingüística, a norma culta, não conjuga os verbos, nem usa o plural de acordo com uma gramática pautada no português europeu, que ela é ignorante ou não sabe pensar. Ele vai dizer ao garoto que ele não precisa se envergonhar de sua mãe só porque aprendeu outras formas de usar o português na escola, e ela não. Ele vai ensinar o garoto a valorizar os falares regionais, e ser orgulhoso de sua família, de sua cultura, de sua região de origem, de seu país e das diferenças que existem dentro dele e, ao mesmo tempo, a ampliar, pelo domínio da norma culta, as suas possibilidades de participação na sociedade e na cultura letrada. O Brasil precisa justamente desse professor que esses jornalistas tanto incriminaram.

Formar um professor com esse potencial é o que fazem muitos dos intelectuais que foram ofendidos. Para eles, pedimos que esses jornalistas se desculpem. E os agradeçam. E, sobretudo, antes de os julgarem novamente, leiam suas publicações. Ironicamente, pedimos para a mídia se informar.

Nós somos a primeira turma a entrar no mercado de trabalho após esse triste ocorrido da imprensa. Somos muito conscientes da luta que temos pela frente e das possibilidades de mudança que nosso trabalho promove. Para isso, estudamos e trabalhamos duro durante anos. A nós, pedimos também que se desculpem. E esperamos que um dia possam nos agradecer.

Reafirmamos a necessidade de os veículos de comunicação respeitarem os nossos objetos de estudo e trabalho — a linguagem e o língua portuguesa usada no Brasil —, pois muitos estudantes e profissionais de outras áreas podem não perceber tamanha desinformação e manipulação irresponsável de informação, e podem vir a reproduzir tais concepções simplistas e equivocadas sobre a realidade da língua em uso, fomentando com isso preconceitos difíceis de serem extintos.

Sabemos que sozinhos os professores não mudam o mundo. Como disse a Professora Amanda Gurgel, em audiência pública no Rio Grande do Norte, não podemos salvar o país apenas com um giz e uma lousa. Precisamos de ajuda. Uma das

maiores ajudas com as quais contamos é a dos jornalistas. Pedimos que procurem conhecer as teorias atuais da Educação, do ensino de língua portuguesa e da prática que vem sendo proposta cotidianamente no Brasil. Pedimos que leiam muito, informem-se. Visitem escolas públicas e particulares antes de se proporem a emitir opinião sobre o que deve ser feito lá. Promovam acima de tudo o debate de ideias e não procedam à condenação sumária de autores e obras que mal leram. Critiquem as assessorias internacionais que são contratadas reiteradamente. Incentivem o profissional da educação. E nunca mais tratem os professores como trataram dessa vez. O poder de vocês é muito grande – a responsabilidade para usá-lo deve ser também.

Alecsandro Diniz Garcia, Ana Amália Alves da Silva, Ana Lúcia Ferreira Alves, Anderson Mizael, Jeferson Cipriano de Araújo, Laerte Centini Neto, Larissa Arrais, Larissa C. Martins, Laura Baggio, Lívia Oyagi, Lucas Grosso, Maria Laura Gándara Junqueira Parreira, Maria Vitória Paula Munhoz, Nathalia Melati, Nayara Moreira Santos, Sabrina Alvarenga de Souza e Yuki Agari Jorgensen Ramos – formandos 2011 em Letras da PUC-SP, futuros professores de Língua Portuguesa e Língua Inglesa.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

domingo, 9 de janeiro de 2011

Veja você

Descia as escadas no ímpeto cotidiano de ir-se direto e sem devaneios ao conteúdo da geladeira, sem olhar para os lados nem imiscuir-se em diálogos fúteis ou úteis.
Desta vez era diferente. Algo lhe havia desviado o olhar às paredes da descida, onde havia uma enorme pintura de Bob Marley de autoria de um artista de rua desconhecido, da qual nunca se havia apercebido malgrado nascido e criado naquela casa, e diversos quadrinhos que desenhou nas aulas de arte do colégio construtivista em que sua mãe fizera questão que estudasse quando criança.
Pois era sua mãe, professora de literatura da rede municipal, dessas que defende contra todas as reações o uso do banheiro feminino pelo aluno trans-sexual, que o desviava do caminho reto e discreto que fazia todos os dias para praticar sem remorsos o pecado da gula:
- Mãe...
- Diga, meu filho... - respondeu sem sequer levantar as sobrancelhas da revista que lia meticulosamente sob a luz da mesa da sala.
- Enquanto você lê VEJA, o mundo acontece lá fora...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Filme de ação, reação ou... passividade?

Juro, sem hipocrisia, que não tinha pressa em ver o Tropa de Elite 2. Não juro que não queria ver. Só juro que não precisava ter sido logo no primeiro fim de semana dele no cinema. Mas as circunstâncias são desfavoráveis a este meu momento de confronto com a ansiedade. Aliás, a ansiedade é geral.

Na primeira edição do filme, não se falava em outra coisa. Nesta, se o papo nas mesas de bar estava um pouco mais variado, as filas de cinema e os números da bilheteria não refletiam o mesmo. Não há como fugir do fato de que todos querem vê-lo o mais rápido possível.

Bem, então fui por estas companhias que me carregam por aí, e também pelo filme, é verdade.

Tinha alguma coisa já nesta cabeça oca para postar aqui, mas meu mestre e chefe disse hoje algo que ele havia escrito sobre o filme no facebook. Bagunçou boa parte das minhas ideias, mas elas ainda estão aqui, então é o que vou dizer:

Não adianta negar, Julita Lemgruber em uma oportunidade no auditório da Universidade Cândido Mendes disse bem: a primeira edição do filme "glamurizava" as páticas de tortura e execução levadas a cabo pelo BOPE.

Meu irmão brigou comigo quando eu usei o termo fascista para designar não o diretor José Padilha, menos ainda o autor Rodrigo Pimentel (nem digo José Eduardo Soares porque sua respeitabilidade é tão grande que nem é preciso ressalvá-lo), mas as ideias veiculadas pelo filme.

José Padilha e Wagner Moura chegaram a tentar explicar a mensagem depois do sucesso do filme, expresso nos aplausos dos espectadores às cenas de tortura nos cinemas, mas foi em vão.

Não acredito que eles pensem daquela forma. Não é possível que pessoas no mínimo curiosas pelo conhecimento e sedentas pela produção cultural pensem assim.

Mas então houve ali no mínimo um claro erro na escolha da perspectiva da trama.

Não me deixem mentir os que discordarem, porque creio que sejam poucos: num livro, o narrador, personagem ou não, é o veículo da trama. É ele quem conduz a história e nos remete a detalhes que talvez sequer pudessem passar à vista de outro narrador, ao mesmo tempo em que omite fatos e descrições que poderiam ser facilmente percebidos por outra pessoa que o autor poderia, por qualquer razão de índole ideológica ou simplesmente poética, escolher para narrar o enredo. Certamente não foi à toa que Marion Bradley escreveu "As Brumas de Avalon".

É claro que o leitor, malgrado não esteja livre - nem deva estar - de suas próprias reflexões, assimila a mensagem de maneira natural, porque o texto é escrito para isto: envolvê-lo na trama tanto quanto estão envolvidos os personagens.

E isso é ainda mais evidente quando falamos de um narrador personagem. Na arte cinematográfica, que se utiliza diretamente de imagens e sons, nem se fale!

Meu irmão me rebateu mencionando um dado filme em que o narrador protagonista era um psicopata (isso ainda existe?) e nem por isso se saía da sala de cinema com a ideia de que matar a troco de nada era uma coisa boa.

É claro que é permitido a qualquer artista fazer essa espécie de experimentação, na literatura, na televisão ou no cinema. Não se negue, porém, que para isso é preciso coragem e, sobretudo, cuidado, muito cuidado.

Lembro-me do filme "Efeito Dominó", dirigido por Roger Donaldson, que conta a história de um assalto a banco encomendado pela coroa inglesa para evitar que um foragido da justiça publicasse fotos de uma orgia de que teria participado Margareth Thatcher, por ele mantidas num cofre de uma agência bancária. Ao fim do filme eu estava torcendo para que o plano criminoso desse certo. Se isso não foi influência da forma como o roteirista e o diretor contaram a história, que envolvia situação de extorsão dos assaltantes pela coroa inglesa, me salvem, pois estou em sérias dúvidas sobre meus valores!

Por isso que me parece um erro julgar que, por meio das palavras de um narrador como o Capitão Nascimento, que defende claramente as práticas de tortura e execução do BOPE, é possível transmitir de maneira clara e coerente uma mensagem contrária à corrupção policial, aos baixos salários recebidos pelos integrantes das corporações policiais e à política de seguramça pública que hoje se adota no Rio de Janeiro, especialmente num contexto em que o contraponto do protagonista eram os "traficantes malvados", alvo de ódio quase generalizado da sociedade.

Não há como esperar que se interpretem aquelas cenas sem nebulosidades no sentido em que o filme, segundo o diretor e o ator protagonista (com todo o respeito que eles merecem),  pretendeu ser interpretado.

Pois bem. Não sei se houve essa percepção, seja pelas críticas dos setores sociais que defendem a democracia e os direitos humanos, seja pelos aplausos recebidos pelo Capitão Nascimento no escurinho do cinema. O fato é que desta vez José Padilha (e talvez até Rodrigo Pimentel, não li o livro para afirmar) reorganizou suas (?) ideias, deixou mais clara a mensagem que pretendia, segundo ele próprio, transmitir: a de que o combate à violência, nos moldes em que é feito hoje, não combate, mas fomenta a violência.

Precisamos de fato compreender que nossos representantes, em sua maioria, têm interesses na manutenção deste projeto neoliberal de Estado, que envolve a política de segurança pública da marginalização. 

Em uma determinada cena do filme um defensor dos direitos humanos faz uma conta matemática, que de matemática talvez nada tenha, mas cujo objetivo é simplesmente demonstrar a irracionalidade do nosso sistema de justiça criminal, sobretudo do nosso sistema prisional. A conclusão era a de que daqui cem anos 100% dos brasileiros estarão presos.

Numa conversa informal, alguém criticou a falta de técnica nos cálculos e acrescentou que, a rigor, uma boa política de segurança pública é justamente aquela que aumenta o número de presos, porque se pauta no incremento do policiamento ostensivo. Esta parece ser a visão da maioria da classe média.

Mas penso que uma boa política de segurança pública é a que reduz o número de presos, como consequência da redução do número de crimes. Por que é isto o que nós queremos: viver em paz, e não viver presos.

O filme mostra de alguma forma que isso não costuma ser a preocupação dos nossos representantes.
Não obstante, colo aqui a opinião do mestre de que falei no começo, porque revela uma preocupação com a qual não havia ainda me atinado, mas que agora me aflige. É para dividir e discutir:

"É difícil ter uma opinião definitiva sobre o filme sem compará-lo ao primeiro (aliás, não há opinião definitiva sobre assunto algum).



E também é difícil pensar no filme como filme, obra de ficção, e não como um documentário que ...o filme não é.


Há muito do nosso cotidiano e isso é certo. Há, talvez, um esforço bem sucedido de reinventar o discurso do primeiro filme, que demonizava os traficantes de drogas. O demônio agora habita os milicianos. Há caminhos de violência e diálogo que estão superpostos, em algum momento, ou se antagonizam na maior parte do tempo.


Como filme, Tropa de Elite 2 é muito bom, essa é a minha opinião. Mas não se trata de uma síntese da "questão criminal", no Rio de Janeiro, tampouco aponta caminhos, sequer pretende, suponho, mas deixa ver por vários ângulos alguns dos atores desse drama cotidiano.


Meu maior receio é que a confusão entre ficção e realidade e o reducionismo, que o filme não tem como evitar, terminem por sugerir que a democracia, ou a democracia representativa, seja o pior de todos os demônios.


Fica a expectativa de que o público opte por enxergar na política o campo de luta para as necessárias transformaçõs e, exorcizando eventual visão demoníaca da vida, contribua para construir o entendimento de que todos nós carregamos responsabilidades, que não são delegáveis a Capitão Nascimento algum.


As dificuldades do dia a dia não desaparecem subitamente, do nada, ou da força, ainda que em tese "bem intencionada". Elas são superadas pelo suor coletivo."
Geraldo Prado

domingo, 19 de setembro de 2010

Relógios são antiempíricos. Não temos tempo: o tempo é que nos tem.

domingo, 29 de agosto de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

Ação de cobrança em verso

Numa aula de português (e que aula!) tive a oportunidade de ler esta petição inicial, datada de 1978:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara de São Bernardo do Campo.



A. Comércio de Pneus e Acessórios São Judas Tadeu Ltda.
R. Carlos Eduardo Bento.


PNEUS SÃO JUDAS TADEU,
uma empresa limitada,
pelo advogado seu
de procuração passada.
É empresa, a Deus dá graças,
que de São Bernardo é filha,
pois que gira nesta praça,
na Rua Alferes Bonilha,
número QUATRO, DOIS, SETE,
lá na porta fixado,
na rua não se repete,
fácil de ser encontrado.


vem propor, como de fato,
a EXECUÇÃO presente,
e em sentido mais lato,
CONTRA DEVEDOR SOLVENTE.
É réu, CARLOS EDUARDO,
e de sobrenome BENTO,
podendo ser encontrado,
neste Fórum, no momento.


Sua qualificação,
o autor não tem na lista,
sabe só que profissão,
dessa Casa é motorista.
Esteado em bom direito
e em fatos sem conflito,
quer fazê-la sem defeito,
SUMARÍSSIMA no rito.


Lei SEIS, QUATRO, CINCO, OITO,
que nosso processo acata,
pois, Legislador, afoito,
Lei antiga a ele adapta.
DOIS, SETE, CINCO, o artigo,
e demais do bom processo,
com o direito em postigo,
aos fatos, temos acesso:
De tanto dirigir auto,
dos outros, oficial,
pensou o Bento, bem alto,
ter o meu, que há de mal?
Realmente, mal não vemos,
se pneus não fosse usar,
mas sérios senões nós temos,
por usar e não pagar.


Comprando no junho findo,
até hoje não honrou
e por não ser gesto lindo,
o seu crédito acabou.
Receber, não vimos jeito,
por tentativa esgotar,
daí o presente feito,
pra Justiça reparar.


Explique-se ao senhor Bento,
que de Santo, nome tem,
a confusão, num momento,
com outro Santo, também:
Pneus São Judas Tadeu,
é empresa comercial,
e não "São Judas te deu"
os pneus para o Natal.


Pneus novos a rodar,
o credor deixado ao léu,
deixou Bento de pagar
e isso que o faz réu.

Requer sua citação,
dois, sete, oito e demais,
pra final condenação,
com cominações legais.
Por provas, dá documentos,
vem testemunhas propor,
para reconhecimento
do seu direito, o autor.


Três mil, por valor de alçada,
deverá ter curso o feito
para assim ser processada,
a ação no seu efeito.
A final ser procedente,
para o devido obter,
muito respeitosamente,
sem ninguém desmerecer.


São Bernardo do Campo, 13 I 1978.


pp. (aa) os advºs.


Rodolfo Alonso Gonzales – OAB 21504-SP
Antonio Carlos Cyrillo - OAB 18251-SP
Jarbas Linhares da Silva – OAB 31016-SP

Tá, tudo bem, tem que mandar emendar em nome da ampla defesa. Mas é sensacional!

domingo, 27 de junho de 2010

Homenagens

Os últimos dias foram agitados e, por isso, não tenho mexido aqui.

Isso não quer dizer que eu tenha ignorado a morte de Saramago, que merece uma homenagem como a que o antiblog de criminologia fez: singela, mas significativa.

Também não me esqueci da morte do Michael Jackson.

Vocês devem estar achando estranho, como alguém sente a morte de dua figuras representativas de duas visões de mundo completamente diferentes?

É que ambos têm algo em comum: contribuíram significativamente para a cultura, cada um do seu jeito, com sua visão de mundo, é verdade.

Mas a genialidade é algo que a nenhum dos dois se pode negar.

sábado, 12 de junho de 2010

Para definir o medo...

O medo é uma linha que separa o mundo.

Lenine

sexta-feira, 11 de junho de 2010

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Despressurização

Essa vida de concursando às vezes dá a sensação de que você está numa cabine de aeronave despressurizada, sem direito a máscaras de oxigênio.

Mas às vezes umas pessoas aparecem para oxigenar nossas mentes.

Aconteceu outro dia: tive a oportunidade de presenciar a primeira reunião do grupo de pesquisa Matrizes autoritárias do processo penal brasileiro: para além da influência do Código Rocco (1941).

O tema proposto foi ideia do Prof. Geraldo Prado, que orienta e coordena o grupo, mas a reunião mostrou - e os e-mails também têm mostrado - que tem muita gente que quer trabalhar. Discussões? Algumas, ainda incipientes, mas suficientes para revigorar a nossa vontade de saber e fazer mais. E todos lá, me parece, querem saber e fazer mais.

Cabine pressurizada.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pés e mãos Brasil afora

A gente quando vê céu preto demais sai correndo, salto alto e sombrinha na mão.

Tem gente que quando vê céu limpo demais sai andando, pé descalço e trouxinha na mão.