Fui ao Chile com boas expectativas, mas desconfio que tenha se tratado mais de uma excitação naturalmente mais intensa de marinheira de primeira viagem. Ao exterior. Porque, se cruzar uma fronteira pela primeira vez já é de dar calafrios, então eu congelaria quando cruzasse a segunda, a ponto de poder conhecer o Pacífico.
Há lugares que, não se sabe como, conseguem superar as expectativas com que nos deparamos diante de “uma excitação naturalmente mais intensa” como esta, que, obviamente, são sempre excelentes.
O Chile é um deles. E não vale dizer que eu não conheci nada. Sou capaz de afirmar que, mesmo que tivesse conhecido todo o território chileno e o restante fosse efetivamente ruim – e, por certo, o Atacama não tem nada de ruim –, as excelentes expectativas teriam sido superadas do mesmo jeito.
Não tive muito tempo de passear por Santiago. Por sorte ou azar, escolhemos passar o reveillon por lá; e passagem de ano é sempre conturbada. E vai ao mercado, e prepara a comida, e lava a louça, e arruma a cozinha, e dorme um pouco – ou não aguenta a virada –, e acorda, e se arruma, e janta, e vai à festa, e volta, e dorme, e acorda às quatro da tarde.
Nisso se foram dois dias.
É bem verdade, justiça seja feita, que quando acordei as compras da ceia já estavam feitas e que quem cozinhou foi uma das anfitriãs – aliás, aquele peixe tava uma delícia!
Mas, a par do total desastre que seria a Fernanda na cozinha, ela não deixou de limpar o banheiro, lavar a louça, pôr a mesa, arrumar a cozinha, etc.
E no dia primeiro tudo fecha por lá. Nem uma vendinha sequer conta história. Que dirá um bar para tomar umas cervejas.
O fato é que, de Santiago mesmo, foram três dias. O primeiro no Centro – o que inclui a Escola de Direito da Universidade do Chile, com direito a fotos do banheiro e tudo! – e no bairro da Providência, onde passamos a maior parte do tempo.
Aliás, a Providência é fantástica. Arquitetura uniforme, a ponto de tornar o ambiente clean, sem que as construções deixem de ser originais. Cada prédio é uma novidade, mas sempre com aquelas varandinhas e as cortinas, os recuos, os jardins sem grades à frente...
No Rio o regime militar teve influência devastadora sobre a arquitetura: virou uma cidade séria, cheia de pastilhas marrons, azuis e amarelas, normalmente apregoadas em prédios quadrados, sem varandas e com janelas pequenas demais, a impedir a entrada do sol.
Na Providência não. É tudo muito alegre, descontraído, claro, arejado... E as ruas acabam ficando bonitas também. As calçadas largas com jardins verdinhos, verdinhos... A caminhada no fim de tarde por aquelas ruas é agradabilíssima.
Noutro dia subimos ao Cerro de São Cristobal, de onde se vêem toda a cidade e ainda a Cordilheira – que espetáculo! – ao fundo. Lá em cima quem está não é o Cristo de braços abertos, mas a Virgem pedindo misericórdia, e bem menor que ele.
O espanto quando se chega ao alto é inevitável: a cidade é assustadoramente grande.
Minha visão etnocêntrica das coisas sempre me fez acreditar que só o Brasil e o México podem se valer do título de países com metrópole na América Latina. Mas quando vi de cima toda a Santiago tive que perguntar o número de habitantes à Pamela: São seis milhões de pessoas.
É o Rio de Janeiro. Só que com muito mais metrô e respeito às regras de trânsito.
Os chilenos são mais reservados. Ao menos foi a impressão que tive com o episódio da cerveja no reveillon. Mas isso não os faz de maus acolhedores. Pelo contrário, invadimos a festa alheia e ali fomos muito bem tratados, com piadas, muita cerveja, música e dança. E, de fato, foi a melhor virada de ano que já passei.
As dicas noturnas e gastronômicas são o Ligúria (Providência) e o Patagônia (Centro).
Comi queijo de cabra feito uma louca e bebi muita Kunstman com mel. O único problema é que a cerveja gelada deles para os brasileiros está bem quente.
Mas cultura a gente respeita, né?
O outro
Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.
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Um comentário:
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaamérica Latina... Um dia eu volto pra lá.
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