O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Filme de ação, reação ou... passividade?

Juro, sem hipocrisia, que não tinha pressa em ver o Tropa de Elite 2. Não juro que não queria ver. Só juro que não precisava ter sido logo no primeiro fim de semana dele no cinema. Mas as circunstâncias são desfavoráveis a este meu momento de confronto com a ansiedade. Aliás, a ansiedade é geral.

Na primeira edição do filme, não se falava em outra coisa. Nesta, se o papo nas mesas de bar estava um pouco mais variado, as filas de cinema e os números da bilheteria não refletiam o mesmo. Não há como fugir do fato de que todos querem vê-lo o mais rápido possível.

Bem, então fui por estas companhias que me carregam por aí, e também pelo filme, é verdade.

Tinha alguma coisa já nesta cabeça oca para postar aqui, mas meu mestre e chefe disse hoje algo que ele havia escrito sobre o filme no facebook. Bagunçou boa parte das minhas ideias, mas elas ainda estão aqui, então é o que vou dizer:

Não adianta negar, Julita Lemgruber em uma oportunidade no auditório da Universidade Cândido Mendes disse bem: a primeira edição do filme "glamurizava" as páticas de tortura e execução levadas a cabo pelo BOPE.

Meu irmão brigou comigo quando eu usei o termo fascista para designar não o diretor José Padilha, menos ainda o autor Rodrigo Pimentel (nem digo José Eduardo Soares porque sua respeitabilidade é tão grande que nem é preciso ressalvá-lo), mas as ideias veiculadas pelo filme.

José Padilha e Wagner Moura chegaram a tentar explicar a mensagem depois do sucesso do filme, expresso nos aplausos dos espectadores às cenas de tortura nos cinemas, mas foi em vão.

Não acredito que eles pensem daquela forma. Não é possível que pessoas no mínimo curiosas pelo conhecimento e sedentas pela produção cultural pensem assim.

Mas então houve ali no mínimo um claro erro na escolha da perspectiva da trama.

Não me deixem mentir os que discordarem, porque creio que sejam poucos: num livro, o narrador, personagem ou não, é o veículo da trama. É ele quem conduz a história e nos remete a detalhes que talvez sequer pudessem passar à vista de outro narrador, ao mesmo tempo em que omite fatos e descrições que poderiam ser facilmente percebidos por outra pessoa que o autor poderia, por qualquer razão de índole ideológica ou simplesmente poética, escolher para narrar o enredo. Certamente não foi à toa que Marion Bradley escreveu "As Brumas de Avalon".

É claro que o leitor, malgrado não esteja livre - nem deva estar - de suas próprias reflexões, assimila a mensagem de maneira natural, porque o texto é escrito para isto: envolvê-lo na trama tanto quanto estão envolvidos os personagens.

E isso é ainda mais evidente quando falamos de um narrador personagem. Na arte cinematográfica, que se utiliza diretamente de imagens e sons, nem se fale!

Meu irmão me rebateu mencionando um dado filme em que o narrador protagonista era um psicopata (isso ainda existe?) e nem por isso se saía da sala de cinema com a ideia de que matar a troco de nada era uma coisa boa.

É claro que é permitido a qualquer artista fazer essa espécie de experimentação, na literatura, na televisão ou no cinema. Não se negue, porém, que para isso é preciso coragem e, sobretudo, cuidado, muito cuidado.

Lembro-me do filme "Efeito Dominó", dirigido por Roger Donaldson, que conta a história de um assalto a banco encomendado pela coroa inglesa para evitar que um foragido da justiça publicasse fotos de uma orgia de que teria participado Margareth Thatcher, por ele mantidas num cofre de uma agência bancária. Ao fim do filme eu estava torcendo para que o plano criminoso desse certo. Se isso não foi influência da forma como o roteirista e o diretor contaram a história, que envolvia situação de extorsão dos assaltantes pela coroa inglesa, me salvem, pois estou em sérias dúvidas sobre meus valores!

Por isso que me parece um erro julgar que, por meio das palavras de um narrador como o Capitão Nascimento, que defende claramente as práticas de tortura e execução do BOPE, é possível transmitir de maneira clara e coerente uma mensagem contrária à corrupção policial, aos baixos salários recebidos pelos integrantes das corporações policiais e à política de seguramça pública que hoje se adota no Rio de Janeiro, especialmente num contexto em que o contraponto do protagonista eram os "traficantes malvados", alvo de ódio quase generalizado da sociedade.

Não há como esperar que se interpretem aquelas cenas sem nebulosidades no sentido em que o filme, segundo o diretor e o ator protagonista (com todo o respeito que eles merecem),  pretendeu ser interpretado.

Pois bem. Não sei se houve essa percepção, seja pelas críticas dos setores sociais que defendem a democracia e os direitos humanos, seja pelos aplausos recebidos pelo Capitão Nascimento no escurinho do cinema. O fato é que desta vez José Padilha (e talvez até Rodrigo Pimentel, não li o livro para afirmar) reorganizou suas (?) ideias, deixou mais clara a mensagem que pretendia, segundo ele próprio, transmitir: a de que o combate à violência, nos moldes em que é feito hoje, não combate, mas fomenta a violência.

Precisamos de fato compreender que nossos representantes, em sua maioria, têm interesses na manutenção deste projeto neoliberal de Estado, que envolve a política de segurança pública da marginalização. 

Em uma determinada cena do filme um defensor dos direitos humanos faz uma conta matemática, que de matemática talvez nada tenha, mas cujo objetivo é simplesmente demonstrar a irracionalidade do nosso sistema de justiça criminal, sobretudo do nosso sistema prisional. A conclusão era a de que daqui cem anos 100% dos brasileiros estarão presos.

Numa conversa informal, alguém criticou a falta de técnica nos cálculos e acrescentou que, a rigor, uma boa política de segurança pública é justamente aquela que aumenta o número de presos, porque se pauta no incremento do policiamento ostensivo. Esta parece ser a visão da maioria da classe média.

Mas penso que uma boa política de segurança pública é a que reduz o número de presos, como consequência da redução do número de crimes. Por que é isto o que nós queremos: viver em paz, e não viver presos.

O filme mostra de alguma forma que isso não costuma ser a preocupação dos nossos representantes.
Não obstante, colo aqui a opinião do mestre de que falei no começo, porque revela uma preocupação com a qual não havia ainda me atinado, mas que agora me aflige. É para dividir e discutir:

"É difícil ter uma opinião definitiva sobre o filme sem compará-lo ao primeiro (aliás, não há opinião definitiva sobre assunto algum).



E também é difícil pensar no filme como filme, obra de ficção, e não como um documentário que ...o filme não é.


Há muito do nosso cotidiano e isso é certo. Há, talvez, um esforço bem sucedido de reinventar o discurso do primeiro filme, que demonizava os traficantes de drogas. O demônio agora habita os milicianos. Há caminhos de violência e diálogo que estão superpostos, em algum momento, ou se antagonizam na maior parte do tempo.


Como filme, Tropa de Elite 2 é muito bom, essa é a minha opinião. Mas não se trata de uma síntese da "questão criminal", no Rio de Janeiro, tampouco aponta caminhos, sequer pretende, suponho, mas deixa ver por vários ângulos alguns dos atores desse drama cotidiano.


Meu maior receio é que a confusão entre ficção e realidade e o reducionismo, que o filme não tem como evitar, terminem por sugerir que a democracia, ou a democracia representativa, seja o pior de todos os demônios.


Fica a expectativa de que o público opte por enxergar na política o campo de luta para as necessárias transformaçõs e, exorcizando eventual visão demoníaca da vida, contribua para construir o entendimento de que todos nós carregamos responsabilidades, que não são delegáveis a Capitão Nascimento algum.


As dificuldades do dia a dia não desaparecem subitamente, do nada, ou da força, ainda que em tese "bem intencionada". Elas são superadas pelo suor coletivo."
Geraldo Prado

domingo, 19 de setembro de 2010

Relógios são antiempíricos. Não temos tempo: o tempo é que nos tem.

domingo, 29 de agosto de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

Ação de cobrança em verso

Numa aula de português (e que aula!) tive a oportunidade de ler esta petição inicial, datada de 1978:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara de São Bernardo do Campo.



A. Comércio de Pneus e Acessórios São Judas Tadeu Ltda.
R. Carlos Eduardo Bento.


PNEUS SÃO JUDAS TADEU,
uma empresa limitada,
pelo advogado seu
de procuração passada.
É empresa, a Deus dá graças,
que de São Bernardo é filha,
pois que gira nesta praça,
na Rua Alferes Bonilha,
número QUATRO, DOIS, SETE,
lá na porta fixado,
na rua não se repete,
fácil de ser encontrado.


vem propor, como de fato,
a EXECUÇÃO presente,
e em sentido mais lato,
CONTRA DEVEDOR SOLVENTE.
É réu, CARLOS EDUARDO,
e de sobrenome BENTO,
podendo ser encontrado,
neste Fórum, no momento.


Sua qualificação,
o autor não tem na lista,
sabe só que profissão,
dessa Casa é motorista.
Esteado em bom direito
e em fatos sem conflito,
quer fazê-la sem defeito,
SUMARÍSSIMA no rito.


Lei SEIS, QUATRO, CINCO, OITO,
que nosso processo acata,
pois, Legislador, afoito,
Lei antiga a ele adapta.
DOIS, SETE, CINCO, o artigo,
e demais do bom processo,
com o direito em postigo,
aos fatos, temos acesso:
De tanto dirigir auto,
dos outros, oficial,
pensou o Bento, bem alto,
ter o meu, que há de mal?
Realmente, mal não vemos,
se pneus não fosse usar,
mas sérios senões nós temos,
por usar e não pagar.


Comprando no junho findo,
até hoje não honrou
e por não ser gesto lindo,
o seu crédito acabou.
Receber, não vimos jeito,
por tentativa esgotar,
daí o presente feito,
pra Justiça reparar.


Explique-se ao senhor Bento,
que de Santo, nome tem,
a confusão, num momento,
com outro Santo, também:
Pneus São Judas Tadeu,
é empresa comercial,
e não "São Judas te deu"
os pneus para o Natal.


Pneus novos a rodar,
o credor deixado ao léu,
deixou Bento de pagar
e isso que o faz réu.

Requer sua citação,
dois, sete, oito e demais,
pra final condenação,
com cominações legais.
Por provas, dá documentos,
vem testemunhas propor,
para reconhecimento
do seu direito, o autor.


Três mil, por valor de alçada,
deverá ter curso o feito
para assim ser processada,
a ação no seu efeito.
A final ser procedente,
para o devido obter,
muito respeitosamente,
sem ninguém desmerecer.


São Bernardo do Campo, 13 I 1978.


pp. (aa) os advºs.


Rodolfo Alonso Gonzales – OAB 21504-SP
Antonio Carlos Cyrillo - OAB 18251-SP
Jarbas Linhares da Silva – OAB 31016-SP

Tá, tudo bem, tem que mandar emendar em nome da ampla defesa. Mas é sensacional!

domingo, 27 de junho de 2010

Homenagens

Os últimos dias foram agitados e, por isso, não tenho mexido aqui.

Isso não quer dizer que eu tenha ignorado a morte de Saramago, que merece uma homenagem como a que o antiblog de criminologia fez: singela, mas significativa.

Também não me esqueci da morte do Michael Jackson.

Vocês devem estar achando estranho, como alguém sente a morte de dua figuras representativas de duas visões de mundo completamente diferentes?

É que ambos têm algo em comum: contribuíram significativamente para a cultura, cada um do seu jeito, com sua visão de mundo, é verdade.

Mas a genialidade é algo que a nenhum dos dois se pode negar.

sábado, 12 de junho de 2010

Para definir o medo...

O medo é uma linha que separa o mundo.

Lenine

sexta-feira, 11 de junho de 2010

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Despressurização

Essa vida de concursando às vezes dá a sensação de que você está numa cabine de aeronave despressurizada, sem direito a máscaras de oxigênio.

Mas às vezes umas pessoas aparecem para oxigenar nossas mentes.

Aconteceu outro dia: tive a oportunidade de presenciar a primeira reunião do grupo de pesquisa Matrizes autoritárias do processo penal brasileiro: para além da influência do Código Rocco (1941).

O tema proposto foi ideia do Prof. Geraldo Prado, que orienta e coordena o grupo, mas a reunião mostrou - e os e-mails também têm mostrado - que tem muita gente que quer trabalhar. Discussões? Algumas, ainda incipientes, mas suficientes para revigorar a nossa vontade de saber e fazer mais. E todos lá, me parece, querem saber e fazer mais.

Cabine pressurizada.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pés e mãos Brasil afora

A gente quando vê céu preto demais sai correndo, salto alto e sombrinha na mão.

Tem gente que quando vê céu limpo demais sai andando, pé descalço e trouxinha na mão.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Reminiscências atuais

Entrou em vigor ontem a Lei 12.234/2010, que altera as disposições do Código Penal sobre prescrição, aumentando um dos prazos e proibindo a prescrição retroativa.

Em homenagem a ela, colaciono aqui o Hino de Duran, de Chico Buarque, música de 1979, mas bastante atual, por sinal.

 

Se tu falas muitas palavras sutis
E gostas de senhas, sussurros, ardis
A lei tem ouvidos pra te delatar
Nas pedras do teu próprio lar
Se trazes no bolso a contravenção
Muambas, baganas e nem um tostão
A lei te vigia, bandido infeliz
Com seus olhos de raio-x
Se vives nas sombras, frequentas porões
Se tramas assaltos ou revoluções
A lei te procura amanhã de manhã
Com seu faro de dobermann
E se definitivamente a sociedade só te tem
Desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo
és um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro, te pregam na cruz
Depois chamam os urubus
Se pensas que burlas as normas penais
Insuflas, agitas e gritas demais
A lei logo vai te abraçar, infrator
Com seus braços de estivador
Se pensas que pensas...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Quem pode, pode; quem não pode se sacode (normalmente na cadeia)

Já que pediram, e fui hoje mesmo ao Maracanã dar aquela caminhada, não custa postar aqui o choque de ordem da nossa prefeitura, que envolve ações contundentes contra os flanelinhas.

Num cartaz nas grades do estádio está escrito: 

"Dê um cartão vermelho ao flanelinha. Utilize os estacionamentos legais." 

Isso ao lado de um brasaão da prefeitura, assinado pela Secretaria Especial da Ordem Pública (o quê mesmo?).

Por falar em Secretaria da Especial da Ordem Pública, olha o que achei no site do órgão:

Choque de Ordem prende flanelinha com 15 chaves de veículos no Santos Dumont

Ação também rebecou 24 veículos estacionados irregularmente no entorno do aeroporto

04/02/2010

Uma operação Choque de Ordem, deflagrada no final da manhã de hoje por agentes da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), prendeu há pouco um guardador de carros que prestava serviço ilegal de "Valet Flanelinha" no entorno do Aeroporto Santos Dumont, no Centro.
O "flanelinha" foi levado para a 5ª DP (Mem de Sá), juntamente com as 15 chaves de veículos que ele mantinha consigo. Durante a ação, outros 24 veículos estacionados irregularmente foram rebocados.
Participam do Choque de Ordem agentes da Subsecretaria de Operações e 12 reboques da Coordenadoria de Fiscalização de Estacionamento e Reboques (CFER) da Seop.

Podiam também noticiar esta ementa:

EXTORSÃO (ART. 158, §1.º, C.P.). FLANELINHAS. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO.O tipo da extorsão contém a elementar da "indevida vantagem econômica", que deve estar abrangida pelo dolo do agente, cuja conduta deve ser dirigida à especial finalidade de obter a vantagem que SABE indevida. Há dúvida se os acusados tinham consciêcia de que o valor que pediam às vítimas era indevido, pois, ao afirmarem que estavam trabalhando como flanelinhas, eles demonstram que entendem absolutamente legítima a referida cobrança, que seria fruto do seu trabalho.O conceito "indevida vantagem" deve ser cuidadosamente valorado pelo juiz, considerando as circunstâncias do caso concreto, especialmente as condições pessoais dos agentes, sua condição social, educação, cultura, enfim, sua capacidade de compreender que a conduta criminosa, sob pena de responsabilizá-los objetivamente.O Art. 20, caput, do Código Penal prevê o atuar em "erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime", e determina que, em casos assim, o próprio dolo está excluido, e não há crime, restando atípica a conduta E a divergência nem era sobre o valor a ser pago, mas sobre o momento desse pagamento. A vítima estacionou o carro e nada pagou - a vítima não fez nem deixou de fazer alguma coisa em razão da inocorrida "grave ameaça".absolvição.Recursos providos.

(TJRJ. Quinta Câmara Criminal. Rel. Des. Sérgio Verani. Julgamento: 21/05/2009)
Ufa! Desabafei.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Temas para uma perspectiva Crítica do Direito

No dia 06/05, às 18h, ocorrerá o lançamento do livro "Temas para uma perspectiva crítica do direito: homenagem ao Professor Geraldo Prado" (Lumen Juris), coordenado pelos Prof. Rubens Casara e Joel Corrêa de Lima.
A obra ficou muito interessante, com textos de autores brasileiros, argentinos, norte-americanos, portugueses e venezuelanos
Advogados, antropólogos, criminólogos, filósofos, historiadores, magistrados, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público também participam desta homenagem aos cinquenta anos de vida, vinte e cinco dos quais dedicados à carreira pública, do Professor e Desembargador Geraldo Prado.

Aguardamos todos!

terça-feira, 6 de abril de 2010

Arca de Noé

O povo de São Paulo mandou e-mails perguntando como estávamos por aqui. A família vai bem, obrigada.

O mesmo não pode ser dito do restante da cidade.

Um dos paulistas chegou a dizer que reza para que logo esse dilúvio pare, para que assim "a cidade volte ao estado maravilhoso de sempre".

De fato, as maravilhas da cidade maravilhosa se escafederam literalmente pelos ralos no dia de hoje - ou ficaram boiando por aí.

Isso impõe algumas reflexões mestras, até porque, por mais que queiramos aceitar os dados oficiais históricos, que dão conta de que não se via uma queda d´água neste nível desde 1966, o fato é que me lembro de alguns episódios, mesmo recentes, em que demorei a bagatela de três horas para me deslocar do Centro da Cidade até a minha casa, que fica a uma distância de no máximo 5 quilômetros. E ainda acresço minha parca memória infantil, que chama a atenção para várias enchentes lá pela metade da década de 90, uma das quais arrastou vários pertences de uns tios e umas primas minhas. Disso eu me lembro muito bem: na piscina deles tinha rato, cobra e peixe. Tudo arrastado pela água da chuva misturada à de um rio.

Daí porque, mesmo aceitando a informação do Prefeito de que as galerias pluviais da cidade estão limpas, fico me perguntando: cadê o plano de contingência? Na televisão, na internet e nos jornais impressos não faltaram fotos dos locais mais atingidos: onde estavam as autoridades públicas? Justiça seja feita, os bombeiros e a Defesa Civil tiveram um dia de cão, mas fora eles não se viu ninguém do poder público. Ninguém além do Eduardo Paes, do Lula e do Sérgio Cabral dizendo, sem correspondência à realidade, que estava todo mundo trabalhando. O Governador chegou a aproveitar um momento de distração nosso para dizer que "mesmo em situações de ausência de tensão as três esferas de poder trabalhavam incessantemente pelo Rio de Janeiro: hoje mesmo inauguraríamos uma UPA 24hs no Complexo do Alemão". Eleição à vista!

Fora isso, não vou aqui entrar na discussão sobre as políticas públicas de habitação e saneamento básico, que poderiam evitar as 96 mortes por soterramento e outras mais que virão por causa da leptospirose e outras doenças.

Mas, verdade seja dita, a culpa não é só das autoridades. Faz um tempo que me repudia a falta de educação consciência do carioca, que parece se deliciar com a falsa ideia de que nossas belezas naturais não são passíveis de destruição, principalmente se for só por um papelzinho de bala. Cansei de ver - e mesmo assim continuo vendo - pessoas jogando lixo no chão apesar de estarem a cinco metros de distância de uma lixeira pública (nisso as autoridades não pecam: há lixeiras por todo o espaço público do Rio de Janeiro).

Hoje, estamos num mar de lixo, que (não) escorre e leva a nossa beleza embora. Hoje, perdemos nosso bom-humor e nossa espontaneidade, substituídos pela tensão e pela raiva da natureza, dos políticos, e por que não de nós mesmos?

Torço sinceramente para que esses sentimentos se convertam em atitudes: as dos políticos - que apressem tudo o que há de necessário para que voltemos às nossas vidas, apesar de nossas perdas, e para que não passemos vexame em 2014 e 2016 - e as nossas - que enxerguemos o que há de melhor na nossa cidade com outro olhar, o da finitude, para que a preservemos sempre, sempre e sempre.

Porque as atitudes podem ser a nossa arca. Porque o Rio de Janeiro não merece passar por isto. Nós não merecemos de novo, não.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Deus existe

No fim de semana vimos Pachamama, documentário de Eryk Rocha.

O filme em si não é bom (perde muito tempo com tomadas desnecessárias ou com outras necessárias, mas que não conseguem atingir seu objetivo). Quando a coisa começa a ficar interessante, já é hora de sair do cinema.

Mas é nessa hora em que a coisa fica interessante que se ouvem frases de um indígena explicando o significado de Pachamama - "mãe terra".

Ele esclarece que Deus é a terra e que o motivo é simples: esse Deus, a mãe terra, existe, é real. Não se trata de uma abstração ou de um ente metafísico que nunca se viu, cuja espera é eterna e cuja presença é sempre incerta. Não, ele está aí, e nos ajuda a viver de verdade, pois seus frutos são reais: a batata, o milho, o arroz...

Pachamama e seus milagres são reais; um Deus de verdade...

Alguns posts atrás falei sobre a Santa Ceia. Retomo o texto para dizer: é isso o que ela representa para mim, um momento em que vemos as coisas acontecendo e sendo compartilhadas.

E parece que é isso o que Pachamama significa para os camponeses andinos.

Enquanto nós cremos para ver Deus, eles veem Deus, plantam em Deus e colhem em Deus, tudo para crer nele.

É... parece que eles são mais racionais que nós...


quinta-feira, 25 de março de 2010

O caso do ano

Ok, ok... sou capaz de tolerar - muito a contragosto - a presunção social de culpa do casal Nardoni. Afinal, é assim que as pessoas pensam: é preciso achar um culpado para crimes tão bárbaros, capazes de tirar a vida de uma criança que mal tinha começado a viver de verdade.

Normal, humanos que somos...

E tudo bem também que possamos nos deixar levar pelo sensacionalismo midiático (nem todos estão imunes a esse tipo de influência).

O fato, porém, em primeiro lugar, é que os sujeitos do processo não podiam ter deixado se levar desta maneira desde o começo. Estes sim deveriam ser - ou se esforçar para ser - imunes.

Mas agora, convenhamos, até a sociedade está exagerando: é sádico demais reviver essa história, que não pertence a ninguém além dos familiares de Isabella (inclusive ao pai e à madrasta). É triste demais ver as pessoas se deliciando com tudo isso, e a mídia ganhando dinheiro com isso.

Triste demais!

domingo, 7 de março de 2010

Relacionamentos úteis

Gente, finalmente um site de relacionamentos útil (com essa frase assumo um quê de hipocrisia porque estou nos inúteis também).

Meu irmão me indicou: www.skoob.com.br

Skoob, espelho de Books: um site de relacionamentos em que você indica, resenha e procura livros que leu, esteja lendo ou deseja ler. Muito legal!

Fica a dica...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Santa ignorância

(Anexo 2 da Lei 8.421/92)
Ver no site do planalto

Este blog também é cultura.

Vocês sabiam que "as constelações que figuram na Bandeira Nacional correspondem ao aspecto do céu, na cidade do Rio de Janeiro, às 8 horas e 30 minutos do dia 15.11.1889 (12 horas siderais), e devem ser consideradas como vistas por um observador situado fora da esfera celeste"?

(LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado - sim, eu me rendi às fórmulas dos concursos públicos, embora tenha fé de que isso não vá durar muito tempo - 13.ª ed. p. 298)

Desculpem a  ignorância, mas eu achava que era só o número de estrelas que representava as unidades da federação.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A didática do sentir


- Então, sabe nostalgia?
- Sei. Como a saudade.
- Não, mais nostálgica.
- Como assim?
- Assim mesmo. Uma coisa de lugar, de momento.
- Mas aí é nostalgia.
- É...
- Mas como de lugar?
- De lugar. Por exemplo, imagine-se no Cristo, lá no Rio.
...
- Imaginou?
- Sim.
- E aí, ficou com saudade?
- Não.
- Não?
- Não.
- Como não?
- Ué, nunca estive lá, como vou ficar com saudade?!
...
- Então imagina alguém.
...
- Imaginou?
- Sim.
- Imaginou onde?
- De lugar?
- É, de lugar.
...
- Pronto, imaginei.
- Agora tira a pessoa.
...
- Tirou?
- Tirei.
- É nostalgia.
...
- Hummm.
- Põe a pessoa e tira o lugar.
...
- Pronto.
- Aí é saudade.
...
- Hummm, isso mesmo.
...
- Mas e aí. E se botar a pessoa em outro lugar?
- Em outro lugar?
- É, outro lugar.
...
- Mas você esteve com ela neste lugar?
- Que lugar?
- Esse outro.
- Não. Nem conheço o lugar ainda.
...
- Ih, deu branco.
- Branco?
...
- Como é nesse caso?
- Como é?
- É, que estou sentindo?
- Ah, nesse caso é carinho mesmo.

Por JM

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Brincadeira...

1. Pegue no livro mais próximo, com mais de 161 páginas;
2. Abra o livro na página 161;
3. Na referida página procure a 5ª frase completa;
4. Transcreva na íntegra para o seu blog a frase encontrada;
5. Passe o desafio a cinco pessoas.

"Não tenho família, sou sozinho."
Ishmael Beah - Muito Longe de Casa

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O coração na mão...
Comprime-o de punhos fechados.
Esperança de expulsar esta angústia...

Em vão.
O corpo, caixa de pandora.
O coração, bomba de emoção.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Sobre presunções no Estado Democrático de Direito

Não é que a presunção de inocência seja absoluta.
Ela admite prova em contrário.
Mas apenas prova em contrário. 
Jamais presunção em contrário.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Pensamentos em um casulo


Primeiro eu pensava que mergulhar fazia a água entrar pelo nariz e que eu ia cair quando meu pai me jogasse pro alto. Ele não conseguiria me pegar e meu destino era o chão, certamente. E certamente a água entraria pelo nariz. Por isso nunca experimentei nada disso.

Depois, eu pensava que a dança era a coisa mais prazerosa da vida e que, no palco da vida, os palcos com holofotes, quando cheios de gente - eu em cima deles - e com uma platéia na sua frente, ficavam lindos!

Era aí que eu também pensava que o mundo era um teto azul com estrelinhas e luas e penduricalhas, junto com uma TV e algumas paredes amarelas; pensava que o mundo era meu e que, por isso, ele girava ao meu entorno, como se estivesse numa órbita. E, tal qual uma órbita, eu estava redondamente enganada. Foram muitos “nãos” e muitas pirraças em razão dos nãos.

Então eu pensava que o mundo não era mais meu, mas que ele estava contra mim. Pensava tanto isso... tanto quanto eu chorei por causa desse meu pensamento. Até cansar de chorar e achar um motivo para parar de pensar assim.

Aí eu pensava que existia príncipe encantado. E com todos os príncipes que apareceram no meu conto de fadas eu me desencantei. Sim, porque os contos eram só da minha fada.

Mais adiante eu pensava que o mundo era injusto e também que a justiça aguardava seu lugar e seu momento. Pensava até que poderia conquistá-la, mesmo praticamente sozinha, porque eu e mais uns poucos tínhamos nascido para isso.

Hoje, ainda penso que a água vai entrar pelo nariz e continuo sem mergulhar e penso que meu destino será o chão, se meu pai me jogar pro alto. Mas penso que, além da dança, a cultura é um novo prazer e é um mundo além do meu e também que o mundo não é meu, mas não está contra mim. Penso que ele é injusto e está contra quem já não lhe tem o afago, mas não penso mais que posso mudá-lo, nem conquistar a justiça, porque aqueles poucos em quem acreditava para me ajudar a conquistá-la não se dispuseram a ir adiante. Penso que sou impotente sozinha, mas que posso fazer um singelo que signifique algo relevante. Ainda penso que existe príncipe encantado, mas ele não desce de um cavalo branco, nem veste uma capa vermelha, nem usa uma espada. Penso que ele existe, mas vem numa mulinha velhinha, bem lentinha, vestindo bermuda e camiseta, com alguns documentos no bolso.

Amanhã não sei o que pensar, mas meu pensamento será diferente de tudo o que penso agora. Agora penso que mudar meu pensamento fez bem para o meu mundo e que, se eu pensar igual amanhã, não serei a mesma pessoa...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Haiti é logo aí...

Estes últimos dias têm sido complicados. Passamos um reveillon trágico, com muitas mortes e, em alguns pontos turísticos, perspectiva de recessão econômica. Por causa das mortes.


Ainda estávamos bem. Temos defesa civil, bombeiros, exército, polícia civil, militar... O terremoto no Haiti nos fez perceber isso. Ainda que devamos admitir que ainda estamos longe do ideal.


Tudo isso me confundiu muito quando, depois de quase um mês de férias, bateu a saudade do trabalho.


E o refrão do Caetano Veloso misturou mesmo as duas coisas aqui dentro desta cabeça oca.



E vejam como são tratados os pretos, ou brancos quase pretos de tão pobres:





Fernando Meirelles teria tido um bom set para Ensaio Sobre a Cegueira...


domingo, 10 de janeiro de 2010

Avatar

Vimos Avatar. Hesitei muito, desde que o filme entrou em cartaz, porque o próprio trailler denunciava ser o tipo de cinema que não me atrai. Mas me atraía. 

Hoje já hesitamos por outro motivo: sessão 3D esgotada. Deixamos para ver outro dia com os oculinhos ou vemos hoje mesmo? Acabamos entrando.

O roteiro em si não é muito surpreendente. Mas surpreende com o resto: a mensagem, a fotografia, os efeitos, a direção, nos atores. Tudo converge para uma sensação muito boa que se sente do início ao fim - é claro que mitigada por situações de tensão, mas nada que nos tire daquele sonho de viver em harmonia.

Sabe, acho que a nossa cultura ainda não está perdida. Podemos fazer coisas boas, mesmo usando aquilo que nos parece mero modismo, tipo computação gráfica e efeitos especiais. É só querer tocar o coração das pessoas.

Por isso recomendo que conheçam a história do Avatar. Nos faz refletir sobre nossas ações e, sobretudo, sobre nossas crenças. Nos faz crer... em algo útil e saudável.

A próxima sessão é 3D.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

About thoughts

Pensar, pensar, pensar...
Esta é a virtude de viajar.