O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

terça-feira, 22 de julho de 2008

O FIM DO MEU COMEÇO

A conclusão óbvia, a que minha nova classe chegou faz tempo, foi confirmada outro dia no horário nobre da TV Globo. Eu quero frisar: a rede Globo andou contando mentirinhas sobre minha profissão em pleno horário nobre - leia-se, novela das oito, assistida pela grande massa do senso comum brasileiro.
Não bastassem os constantes questionamentos cotidianos dos amigos dos amigos e dos amigos do namorado e dos parentes dos amigos e do namorado sobre POR QUÊ?! e COMO ASSIM?! eu defendo um "criminoso" (e abram muitas aspas para esta palavrinha em relação à qual eu - assim como toda a minha classe profissional e uma parcela considerável da comunidade científica - possuo muitas ressalvas) mesmo sabendo que ele praticou o crime;
Não bastasse esses questionamentos continuarem insistentemente mesmo depois de explicado que a ética profissional do advogado é justamente oposta à ética do senso comum, pois por imposição constitucional e estatutária - e, pois, legal - ele tem a obrigação de fiel e eficazmente defender o seu cliente a qualquer custo e que, sem saber a verdade dos fatos (ainda que ela seja a pior), ele não tem a menor condição da fazê-lo assim tão bem;
Não bastasse ouvir de um taxista que "advogado de bandido bandido é", mesmo exercendo a minha profissão dentro dos limites da legalidade;
Não bastasse ter todas as minhas conversas telefônicas, nas quais é muitas vezes inevitável abordar assuntos de intimidade minha ou alheia, ouvidas por terceiros desconhecidos, sem que haja decisão judicial permitindo essa espécie de invasão;
Não bastasse ouvir de Promotores e Procuradores de Justiça e da República que todos nós, advogados, estamos a serviço do crime, a despeito da minha já dita fidelidade aos limites da lei;
Não bastasse ser tratada como inimiga das instituições democráticas, como bem dito por um grandioso colega de profissão, mesmo lutando em seu favor e contra as arbitrariedades ultimamente praticadas pelo Judiciário, com honrosas exceções que constituem exemplo de luta pela democracia;
Não bastasse os telejornais corroborarem leviano discurso;
Bem, não bastasse tudo isso, ligo a televisão no horário nobre e vejo a seguinte história se desenrolar:
O advogado de uma mulher presa (sem decreto cautelar nem tão pouco circunstância flagrancial) entra na casa da suposta vítima - um homem que teria sido pago para causar lesões em si próprio e atribuí-las à tal mulher presa -, sem que ele esteja presente (sic). Quando ele chega, o advogado o chantageia, dizendo que sabe dos seus atos de pirataria de CDs e que, se não esclarecer à Polícia que aquela mulher jamais lhe feriu, o "causídico" invasor de domicílios o "denunciará" pela pirataria.
Agora veja: advogado criminalista virou sinônimo de chantagista para a massa da população brasileira, que assiste a esse tipo de absurdo e, em geral, o assume como verdade.
Aí, eu fico me perguntando por que me perguntam POR QUÊ?! e COMO ASIM?! eu defendo um "criminoso" (mais uma vez, com muitas aspas) mesmo sabendo que ele é culpado e por que o taxista, coitado, me diz que "advogado de bandido bandido é".
Tá aí a explicação. E a classe é política e publicamente linchada. Todo dia.

domingo, 13 de julho de 2008

That´s me in my own pocket...

Imagem: M. C. EScher

quarta-feira, 9 de julho de 2008

O avião do anjo Gabriel

Numa das cem ou cento e cinqüenta viagens que fiz a São Paulo no último ano e meio e dezoito dias, passei no Laselva e comprei um Gabriel. E me senti renovada! Memória de minhas putas tristes foi engolido, devorado, devassado (sem trocadilhos) em menos de duas horas - o tempo do vôo atrasado até o momento em que as luzes do avião acendem, os avisos de atar cintos apagam e a aeromoça diz: "O uso de aparelho celular somente será permitido a partir de sua chegada ao saguão do aeroporto", sabe? Falando em avião, a bela adormecida do amigo de Rosa Cabarcas me lembrou muito O avião da bela adormecida, do mesmo anjo Gabriel que me entreteve durante os curtos minutos que passei entre a sala de embarque do Santos Dumont e a pista de Congonhas antes do procedimento de portas. Mas me lembrou mais mesmo eu mesma com minha própria leitura. O velho tinha feito noventa anos. Se eu tenho vinte e três, por que também não posso me apaixonar assim por um livro, mesmo depois de me prostituir às novelas e às peças teatrais globais mais insólitas que já se viram? E me apaixonei assim, pela memória das putas tristes dele... o que não me impede de me apaixonar de novo, certo?!

terça-feira, 8 de julho de 2008

Quando em quando me pego em dúvida sobre o sentido do que tenho feito. Pergunto por que Sempre acordo tomo banho escovo os dentes visto um terno e um salto muito alto mesmo querendo vestir uma roupa hippie e pego o ônibus e subo de elevador e digo bom dia e vejo os processos e ligo pro cliente e levo bronca e dou bronca e volto pra casa. Quando em quando me pego em dúvida sobre o valor do que tenho feito. Pergunto por que Nunca vejo resultado, Quanta mais-valia produzo e Quanta não reduzo. Quando em quando me pego pensando... um pouco. Depois, acordo tomo banho escovo os dentes visto um terno e um salto muito alto...