O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Casa dos Mortos

O último post do Antiblog de Criminologia (link ao lado), de Salo de Carvalho, prestigiou o documentário A Casa dos Mortos, da diretora e antropóloga Débora Diniz, que mostra a realidade dos manicômios judiciais.

O roteiro inicial do filme foi adaptado para contemplar um poema de Bubu, que possui uma história de 12 anos de passagens pelos hospitais psiquiátricos, escrito simultaneamente às filmagens.

A película é curta, mas objetiva e sensível.

Valia postar o vídeo e o poema, logo abaixo.

 

A Casa dos Mortos
Bubu

A casa dos mortos
das mortes sem batidas de sino.
- Cena 1 deste filme-documentário
do mesmo destino de sempre;
é que aqui é a casa dos mortos!
***
A casa dos mortos
das overdoses usuais e ditas legais.
- Cena 2 deste filme-documentário
do mesmo destino de sempre;
é que aqui é a casa dos mortos!
***
A casa dos mortos
das vidas sem câmbios lá fora.
- Cena 3 deste filme-documentário
do mesmo destino de sempre;

é que aqui é a casa dos mortos!
***
Prá começo de conversa, são 3 cenas,
são 3 cenas anteriores e posteriores
às minhas 12 passagens
pelas casas dos mortos,
que são os manicômios;
- tenho - digamos assim ! -
surtos de loucura existencial brejinhótica,
relativos à minha cidade natal,
Oliveira dos Brejinhos - Bahia - Brasil;
voltando às cenas:
... cenas que, por si sós,
deveriam envergonhar os ditames legais
das processualísticas penais e manicomiais;
mas, aqui é a realidade manicomial!
***
Pois, bem: são 3 cenas,
são três cenas repetidas e repetitivas
de um ritual satânico-sacro
com poucos equivalentes comparados de terror,
cujo estoque self-made in world
é o medicamentoso entupir de remédios,

o qual se esquece de que
A Era Prozac
das pílulas da felicidade
não produz A Era da Felicidade
da nossa almática essência de liberdade;
mas, aqui é a realidade manicomial!

***
E, ainda sobre as 3 cenas:
são 3 cenas de um mesmo filme-documentário:
Cena 1, das mortes sem batidas de sino;
Cena 2, das overdoses usuais e ditas legais;
Cena 3, das vidas sem câmbios lá fora
- que se reescrevam, então,
Os Infernos de Dante Alighieri;
mas, aqui é a realidade manicomial!
***

Reporto-me às palavras de um douto inconteste,
um doutor que rompeu o silêncio,
o jornalista Jânio de Freitas,
do jornal A Folha de São Paulo:
"A psiquiatria é a mais atrasada das ciências"
- Parafraseio Jânio de Freitas
porque a casa dos mortos,
que é a metáfora arquitetônica
pela qual designo a psiquiatria,
pede que se fale
contra si mesma!
***
E, por falar, também, em lucidez,
sou lúcido e translúcido:
a colunista-articulista Danuza Leão,
no jornal baiano A Tarde, explica:
"Lucidez é reconhecer
a sua própria realidade,
mesmo que isso lhe traga sofrimentos."
Mas, qual, ó Bubu!:
isto aqui é a casa dos mortos,
e, na casa dos mortos,
quem tem um olho é rei,
porque esta é a máxima e a práxis
da casa dos mortos.
***
Hospital São Vicente de Paulo /
Taguatinga - Distrito Federal - Brasil, abril de 1995:
o laudo a meu respeito (eu Bubu)
é categórico e afirma sinteticamente:
"O senhor Bubu é perfeita e plenamente lúcido!".
Mas, é que lá a psiquiatria é Psiquiatria Federal,
com P maiúsculo,
de propriedade patenteada
e de panteão da civilização;
enquanto que, aqui na Bahia,
a psiquiatria é psiquiatria estadual,
com p minúsculo,
de pôrra-louquice
e de prostíbulo do conceito clínico
(não custa nada afirmar:
eu Bubu fui absolvido
pela Psiquiatria Federal,
e eu Bubu fui condenado
pela psiquiatria estadual
- eis o mote da minha história!)
***
Isto é um veredicto!
- tomara que fosse um ultimatum
à casa dos mortos!

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