O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

sexta-feira, 13 de março de 2009

A droga da política de drogas

Quando escrevi a monografia sobre o assunto, não estava com a falsa expectativa de que as alternativas que propus estivessem sendo cogitadas pelas principais autoridades (sic - refiro-me àuelas que mandam) do assunto. Evidentemente, a coisa é muito mais complexa.
Ontem mesmo saí surpresa de casa quando soube que alguma coisa podia mudar. E feliz também. Mas hoje meu ceticismo voltou à tona porque deu tudo errado.
Não vou me estender no assunto, mas coloco algumas questões que não me deixam em paz, principalmente quando vejo a imprensa fazer estardalhaço em cima do tráfico (a mesma impresna, aliás, que criticou o resultado da reunião das Nações Unidas de ontem):
1. Quando vamos perceber que o combate às drogas é uma guerra com graves consequências, como a morte de jovens e inocentes, em prol de uma política que não tem resultado algum, e isso está a um palmo dos nossos olhos?
2. Quando vamos deixar de criminalizar uma conduta que diz respeito apenas ao indivíduo, jamais à sociedade, e deslocar as verbas gastas com armas e aparato policial para o aparelho de saúde?
3. Quando vamos entender que a prevenção funciona melhor que a repressão?
4. Quando vamos perceber que estamos criminalizando a pobreza, e não a droga propriamente dita?
Tem muito mais. Mas acho que já desabafei.

10 comentários:

bernardo disse...

dá uma lida nesse artigo que saiu na "the economist"

http://www.economist.com/printedition/displayStory.cfm?Story_ID=13237193

bjos,
Bernardo

bernardo disse...

na verdade, para mim não importa muito se as motivações dos tratados e convenções são religiosas, políticas ou financeiras.
O ponto é: O Estado tem o direito de decidir o que eu posso consumir ou não?
Admitindo que o consumo não prejudica mais ninguém além do próprio usuário, sob quaisquer que sejam as argumentações ou motivações (e elas sempre vão existir), não, não pode.

bernardo disse...

Eu entendi seu ponto. No fundo, o que quero dizer é que as motivações (reais ou não) sempre existirão para a defesa de uma intervenção estatal em temas que só cabem ao indivíduo. Acho que a preocupação ou motivação podem até ser verdadeiras, no entanto, isso não deve legitimar ações que cerceem as liberdades individuais.
Essas motivações (falsas ou não)não existem só na questão das drogas. Alegações para a defesa de intervenção estatal em direitos individais são muitas e estão espalhadas por ai. Outro dia o bobalhão do Chavez expulsou a empresa que organiza a exposição do corpo humano na venezuela.
Ditaduras e "democracias" do mundo todo tentam limitar os direitos individuis à informação, à expressão. Utilizam muitas vezes o argumento (ou a motivação) de proteção. Se julgam os grandes protetores da sociedade.
Igrejas fazem lobby para criminalizar o aborto.
Governos limitam o direito ao livre comércio, taxando, sobretaxando.
Governos estão a todo momento tentando limitar a ação do mercado e da iniciativa privada (composto por indivíduos!) alegando que estes são falhos. Como se os governos (também compostos por indivíduos - e em número bem menor!) fossem livres de falhas. Como se um dois zé manés eleitos soubessem mais que o conjunto da sociedade.
Mas é verdade que, nesse turbilhão de motivações para dirigismos e intervencionismos estatais nas liberdades individuais, até mesmo pela nossa realidade de violência, é a criminalização das drogas que mais salta aos olhos. Talvez, pq além de atentar contra um direito individual, seja burrice.

bernardo disse...

Ufa! consegui terminar de ler sua mono!

Mas tem uma porção de coisas lá que eu não concordo! :P

bjos,

bernardo disse...

eu concordo com a descriminalização! Aliás, concordamos no ponto fundamental.
Eu não concordo com algumas idéias de alguns autores que você menciona, com algumas idéias que você coloca lá.
Mas isso ai é papo pra muitos chopps! hahaha
bjos,

bernardo disse...

fiquei na dúvida se tinha respondido ou não...

Eu sou muito a favor da descriminalização! Minhas divergências estão restritas à algumas colocações dos autores que você cita, e a alguns comentários seus na mono.

A gente não ia concordar em tudo, né? ;)

bjos,

bernardo disse...

a discordância é de ordem ideológica quanto ao papel do Estado. A minha visão é muito mais liberal ;)

Outro ponto é que, embora eu ache que não deveria haver criminalização na comercialização de drogas, estou longe de achar que bandidos armados de fuzis sejam coitadinhos, vitimas da mídia, do capitalismo ou de quem quer que seja, e que mereçam algo melhor que a prisão.

Eu tenho certeza que voce leu bastante! Minha monografia não tinha nem 1/8 das referências e deu um trabalho enorme! Imagino a sua....

bjos,

Fernanda disse...

Como outras pessoas vão ler tudo isso aqui, preciso esclarecer uma coisa: "bandido" é um rótulo. "Pessoa que praticou um crime" é melhor.

Basicamente é o seguinte: podemos não concordar com a prática de certos crimes (principalmente os violentos). Mas temos que reconhecer que nenhum crime cai do céu. Nem o roubo, nem o homicídio, nem a extorsão... Nem o tráfico com arma. Se são coitadinhos ou não é outra história - e devo esclarecer que não foi assim que os tratei no meu trabalho; apenas disse que qualquer pessoa que se submete ao sistema penal tem direitos e garantias e que isso implica não rotular as pessoas pelo que elas são, mas julgá-las, no máximo, pelo que elas fizeram.

O fato é que poderíamos ter escolhido uma legislação que liberasse o uso e a venda de substâncias laucinógenas ou o uso ostensivo de qualquer arma, por exemplo. Até as nucleares. Mas não fazemos isso por uma escolha política (que tem outros fundos, evidentemente).

E quem é filtrado para sofrer as penas que essa política impõe? É sempre o marginalizado. Em outras palavras, coincidentemente o crime é definido legislativamente de uma forma que se destine preponderantemente a quem não tem a proteção estatal. E, pior, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário, quando o legislativo abrange mais gente, acaba selecionando esse povo pra cair nas suas garras. É esse o meu ponto. Espero que tenha me feito entender.

bernardo disse...

Fernanda,
Ok. Concordamos quanto ao último parágrafo.
Ainda, não foi a minha intenção dizer que você acha criminosos coitadinhos. Se o fiz, desculpe-me.
Agora, não concordo que bandido seja um rótulo. Mas se o adjetivo incomoda ou é impróprio para um advogado, não vejo problema em trocar para "pessoa que praticou um crime." E é claro que devem ter garantidos os direitos legais. Não sei se pareceu, mas não sou adepto dos métodos de guantánamo, de cuba, da china, venezuela e tantos outros. É importante que isso fique claro. Afinal, como já disse, sou a favor dos direitos individuais, da liberdade política, social, econômica, religiosa, sexual... Mas que fique registrada a minha opinião: É preciso cuidado, muito cuidado para que, em troca de garantir os direitos de pessoas que praticam crimes, deixemos impunes criminosos que, em última análise, restrigem os meus direitos individuais, políticos e econômicos. E se concordamos que crimes não caem do céu, posso garantir que a impunidade é uma de suas fontes.

Espero que tenha entendido o meu ponto.
E perdoe-me por qualquer mal entendido.

Bjo,

Fernanda disse...

Bem, então vamos esclarecer mais três coisinhhas:

"Pessoa que praticou um crime" não é só o mais adequado para um advogado. Deixa eu explicar.

No exemplo da criança e do adolescente, banimos a expressão "menor", porque ao longo do tempo ela adquiriu uma conotação negativa: a de menor infrator, menor abandonado, menor carente, menor de rua. Então, pelo conteúdo que essa expressão passou a denotar, ela passou a ser vista como politicamente incorreta, e agora falamos em criança ou adolescente, jamais em menor.

Outro exemplo: deficiente. Hoje chamamamos essas pessoas de portadoras de necessidades especiais.

O mesmo cuidado temos que ter com a expressão "bandido" (embora estejamos longe de bani-la do nosso vocabulário). Por quê? Porque bandido virou sinônimo de não-pessoa. E isso é um contrasenso, pois, para praticar crime, antes de tudo, você tem que ser uma pessoa!!!! Um cachorro não comete crime. Ele pode até matar alguém com um ataque violento, mas isso não será homicídio (desculpe a obviedade, mas é pra deixar mais claro o que quero dizer).

E aí entra o outro ponto que talvez você não tenha entendido: em momento nenhum eu disse que quem pratica crime deve ficar impune (muito embora eu considere que a pena não reabilita nem evita mais crimes, mas isso é outra discussão). A todo momento eu me referia a regras processuais, isto é, a regras que são aplicadas antes da condenação. Obedecer aos ditames da lei não implica "impunidade".
Vou explicar melhor: a teoria do direito penal do inimigo "pinça" algumas pessoas sob o pretexto dos crimes que praticaram, dizendo que essas pessoas não podem ser tratadas como pessoas!!! Isso implica manter (supostos) terroristas em Guantánamo por exemplo. É com base nessa teoria que Guantánamo foi criada. E é com base nela também que a mídia chama os traficantes de "bandidos" e defende o auto de resistência ,aquele em que a polícia justifica a morte de alguém porque era traficante. Não pode! A uma porque não contemplamos a pena de morte, salvo em tempo de guerra. A duas porque, mesmo que a contemplássemos, não nos seria dado executar alguém sem devido processo legal.
Isso não implica impunidade. Isso quer dizer que, para punir, é preciso respeitar quem praticou o crime como PESSOA. E o que é uma pessoa? Um sujeito de direitos: alguém que se presume inocente até condenação irrecorrível, alguém que tem direito a um advogado, alguém que tem direito de ser ouvido por um juiz. É só isso.

O terceiro ponto é o seguinte: quando eu disse que o crime não cai do céu, não me referi à impunidade como um dos fatores do seu recrudescimento. Me referi ao processo de criação dos crimes. Nós definimos o crime. É cultural! Se não houvesse uma lei dizendo que tráfico é crime, poderíamos vender maconha, crack, cocaína, LSD e tudo o mais livremente, em qualquer farmácia. É a isso que me refiro quando digo que o crime não cai do céu.

Agora, a punição como inibidora de práticas criminosas... Isso é outra pauta. Uma pauta de chope mesmo, rsrsrs.

Obrigada por vir aqui.