O outro

Mania humana: enxergar no outro o diferente. Exercer nele todo tipo de discórdia. E julgá-lo moralmente sem despir-se da própria moral. Ignorar suas qualidades, somente pelos seus defeitos. Fazer dele escravo do mundo. Ser-lhe indiferente. Encará-lo como pedra: o concreto que ergue "estranhas catedrais". E buscar em Deus legitimidade para isso.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O que me basta



 Não quero mais a vida.
Quero a vida e um fim de tarde com café no campo, onde eu possa respirar ar puro e plantar tomate na horta.

Mas antes, quero a vida e uma montanha-russa, para encarar o vento e sentir medo de altura, pensar que é ali que a vida acaba e querer viver um pouco mais e melhor.

Quero me perder na noite de Buenos Aires e depois escalar os Andes, atravessar o Pacífico e visitar arquipélagos, depois partir para a Torre Eiffel e para o Coliseu.

Quero a vida e a confusão de sentir saudade e felicidade ao mesmo tempo, viver uma grande paixão, depois um grande amor e aí um grande fim.

Quero ver o sol se pôr no Arpoador, no Pelourinho e em Genipabu, e visitar Yanomamis para ver o mesmo filme ao lado deles.

Quero ser o fim da guerra e o início do paraíso, onde se ganham pão, água, vinho e um templo para orar, seja lá qual for o Deus em que eu acredite.

Quero ver o mar, a terra, as árvores, os pássaros e os peixes, e quero ver o homem na selva... a verdadeira selva, não a que ele construiu.

Quero ir a Angola e colher depoimentos de guerra, ver a reconstrução e andar de transporte coletivo.

Quero sumir da vida das pessoas que conheço e conhecer outras, depois também sumir da vida delas, até sumir do mundo de vez.
Quero ouvir música no ônibus, carregando mochila a pé, e à fogueira numa praia qualquer, em qualquer lugar do mundo, para dançar em volta dela com uns poucos e bons companheiros.

Quero a saga de ser deusa, mas mortal, para me infiltrar nos mitos gregos e fazer deles realidade, ver a tragédia que pode causar o amor e a alegria que pode trazer a esperança.

Quero a vida e um pouco de chocolate, para sentir prazer e ter paladar, porque não se sente mais o sabor das coisas neste mundo.

Quero a vida, beijo e lascívia, pura como o véu e carinhosa como a brisa. Quero a brisa...

Quero a vida, a brisa e um pouco de saúde... porque assim poderei morrer de viver mais do que pude.

domingo, 13 de setembro de 2009

A (des)crente

Sabe, andei descrente do mundo. A moça do morro passou por mim, me deu bom dia, como vai? Fui muito bem até ver a prece em agradecimento por esta “água que eu levo para a casa”. A casa... A casa engraçada, não tinha teto, não tinha nada. E a filha da moça cruzou no meio da conversa, cruzou a linha no telemarketing, me deu bom dia, como vai? e, no fim do dia, não soube abrir o mesmo sorriso, depois do milésimo palavrão burguês e da milionésima açoitada patronal. A moça deu sermão, minha filha, agradeça a Deus, nosso Pastor, pelo emprego que tem. A moça disse: agradeça, não é qualquer um que tem a oportunidade de ouvir palavrões e de ser açoitado! A moça não sabe por que o mundo é assim. Só sabe que é. Ponto. “E agradeça, viu?” Foi então que fiquei descrente do mundo. Andei descrente desde então...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009


Até eu queria saber quem sou agora...

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Obrigada a sentir

Sei que não posso compartilhar em demasia do sofrimento alheio.
O tempo tem me ensinado a controlá-lo para que não se transforme na irracionalidade que cega e obsta a solução das coisas.

Mas é justa esta medida do meu sofrimento: a que me faz racional para não me tornar indiferente.